Da gastronomia à medicina. A tilápia, um dos peixes mais
produzidos e consumidos no Brasil, agora faz parte do tratamento de
queimados do Instituto Dr. José Frota (IJF), principal unidade terciária
de Fortaleza (CE). Há dois anos e meio, pesquisadores do hospital
começaram a desenvolver um curativo usando a pele da tilápia para
melhorar a cicatrização de queimaduras.
De lá para cá, foram 11 etapas pré-clínicas. Em julho deste ano, 30
pacientes com queimaduras de segundo grau superficiais e graves
receberam o curativo. A fase clínica teve 94% de sucesso. Atualmente, 58
pacientes são voluntários na pesquisa, mas o tratamento será expandido
para alcançar 100 pessoas.
“A pele da tilápia ajuda no processo de cicatrização, tamponando a
ferida. Evita contaminação e perdas líquidas, diminui o número de troca
de curativos e, consequentemente, diminui também a dor e o sofrimento do
paciente”, afirmou o cirurgião plástico Edmar Maciel, coordenador da
pesquisa e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ).
A pesquisa do IJF é a primeira no mundo a usar a pele de um animal
aquático. A tilápia foi escolhida por ser um peixe criado em água doce,
de rápida reprodução e por disseminar menos doenças. A pele do peixe
pretende ser uma alternativa ao uso da pomada de sulfadizina de prata,
utilizada no tratamento convencional de queimados.
Enquanto o medicamento requer que o curativo da queimadura seja
renovado diariamente, o curativo de pele de tilápia, por exemplo, pode
ser retirado somente no fim do tratamento de uma queimadura de segundo
grau. Além disso, o novo tratamento não pede o uso de analgésicos e
anestesias e o tempo de cicatrização é reduzido entre um e dois dias.
A rapidez do tratamento inovador está na pele da garçonete Maria Inês
Cândido. Há cerca de um mês, ela teve queimaduras na mão, braço, rosto e
pescoço em um acidente no restaurante em que trabalha na cidade de
Russas, a 150 quilômetros de Fortaleza.
Transferida para a capital para fazer o tratamento, Maria Inês conta
que percebeu a pele de tilápia secando sobre as queimaduras à medida que
os ferimentos cicatrizavam. “Quando eu cheguei de Russas, minha pele
estava horrível. O tratamento foi rápido. Após um mês e cinco dias, já
estou aqui contando a história”, comemorou.
Diminuir o tempo de tratamento dos pacientes também reflete na gestão
do Núcleo de Queimados do IJF, que viu esse tipo de atendimento crescer
13% nos últimos dois anos. “Essa nova tecnologia nos permite manter um
atendimento com qualidade, mais humanizando, e suportar fisicamente a
demanda. A gente passa menos tempo com o paciente internado”, disse o
coordenador do núcleo, João Neto.
Prevista para terminar em julho de 2018, a pesquisa é realizada em
parceria com o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da
Universidade Federal do Ceará (UFC) e é financiada pela Enel,
multinacional do setor de energia.
Em 2017, os pesquisadores planejam um estudo multicêntrico no Brasil,
nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiânia, Rio de
Janeiro e Pernambuco. Após essa etapa, será realizado um estudo fora do
Brasil. Ainda não há previsão de quando o tratamento estará disponível
nos hospitais públicos e privados.