Revista Época
- Dom Júlio Endi Akamine, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo,
visitava uma favela no bairro do Jaguaré, na capital. Vestido a caráter,
atraiu a atenção de um homem embriagado, que disse: “Aí, hein?
Obedecendo ao papa! Veio cheirar as ovelhas!”. Akamine não se fez de
rogado e respondeu: “O papa não pediu para cheirar as ovelhas. Mais que
isso, pediu para eu ter cheiro de ovelha, de tanto andar no meio do
rebanho”. O bêbado abraçou o pároco e lhe deu os parabéns por “já estar
obedecendo à carta”. Só à noite Akamine entendeu a que carta o bêbado se
referia. Foi quando leu Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho), a
primeira exortação apostólica do papa Francisco, divulgada naquele dia
26 de novembro.
No texto, o papa diz preferir uma Igreja rota,
esfarrapada e suja, por atuar nas ruas, a uma Igreja enferma, por estar
confinada e se agarrar a uma ilusória sensação de segurança. “Antes
mesmo de bispos e padres terem tempo de digerir o documento, o cara da
rua já sabia”, diz Fernando Altemeyer Junior, professor de teologia da
PUC de São Paulo. “O papa entrou na casa das pessoas.”
Não é
preciso distanciamento para afirmar que 2013 ficará gravado com destaque
na história da Igreja Católica. Uma história de 2 mil anos, iniciada
por Jesus Cristo. Em fevereiro, o papa Bento XVI renunciou – um gesto
inédito em mais de cinco séculos. Em março, Jorge Mario Bergoglio,
arcebispo de Buenos Aires, foi eleito papa – o primeiro de fora da
Europa, em mais de 1.000 anos, e o primeiro do Hemisfério Sul. “Aceito a
eleição, mesmo sendo um pecador”, foram as primeiras palavras de
Bergoglio, ao conhecer o resultado do conclave.
Assumir-se pecador
seria uma ousadia mesmo para um jovem coroinha. Vindas do papa
Francisco, as palavras sugerem um novo rumo para o catolicismo. Em dez
meses, Francisco mudou o discurso e a percepção sobre a Igreja. As
notícias sobre escândalos de corrupção e pedofilia deram lugar a
exemplos de humildade, mensagens de tolerância e discussões sobre como a
Igreja pode se adaptar às mudanças da sociedade.
Uma pesquisa da
Confederação Nacional dos Transportes (CNT)/Ibope, encomendada por
ÉPOCA, avaliou os dez meses do papa Francisco e a receptividade do
brasileiro às mudanças em discussão nas religiões. O Ibope entrevistou
2.002 pessoas, em 141 municípios. Chama a atenção o acolhimento ao novo
papa. “Para 37% das pessoas, a confiança na Igreja Católica aumentou.
Para uma instituição que se move gradualmente, é um número expressivo”,
diz Altemeyer. “O mais impressionante é ver que apenas 4% não gostaram
de Francisco. É quase ninguém.” O professor de teologia Edward Neves
Guimarães, da PUC de Minas Gerais, diz que esperava mais críticas dos
brasileiros à corrupção e ao distanciamento da Igreja Católica em
relação aos fiéis. “Nos últimos anos, irregularidades no Banco do
Vaticano foram fartamente noticiadas, assim como exemplos de ostentação
na cúpula da Igreja”, diz. “O público está simpático.”
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