O Anel de Pescador será destruído. Os sapatos vermelhos ficarão com o sucessor, escolhido por 115 cardeais
Roma.
Bento XVI poderá manter seu nome. Mas não seus sapatos. Em uma liturgia
repleta de símbolos e protocolo, o papa começa hoje sua fase final de
despedidas e, amanhã, abandona definitivamente o cargo. A primeira
renúncia de um papa em 600 anos provocou comoção e debate nas últimas
semanas.
Primeira vez, o Vaticano abrigará dois papas e as regras terela pão de ser claras FOTO: REUTERS
Hoje,
o pontífice falará para milhares de pessoas na Praça São Pedro e
percorrerá o local pela última vez no papamóvel, cercado de um forte
esquema de segurança. O Vaticano anunciou ontem que o alemão poderá
conservar o nome de Bento XVI, porém, passará a ser chamado de "papa
emérito".
O cuidado com os detalhes não é apenas um preciosismo
por parte de uma instituição que tem mais de dois mil anos. Pela
primeira vez em séculos, a Igreja terá como morador dois papas e as
regras e procedimentos precisarão ficar claros.
Agora, o Vaticano
está tendo de se recriar para conviver com essa nova realidade. Apesar
de viver dentro do Vaticano, o papa emérito poderá usar uma roupa
branca, mas não com os detalhes de um pontífice.
O anel de
pescador que o alemão recebeu ao ser escolhido será destruído, como
ocorre quando um papa morre. O pontífice, no entanto, terá o direito de
usar um outro anel. Além de papa emérito e Bento XVI, ele poderá ser
chamado de "pontífice romano emérito" e "sua santidade". Na prática,
haverá duas "suas santidades".
Dossiê
Ontem,
Bento XVI passou parte do dia separando papéis que terá direito de
levar; os demais serão arquivados. Entre os documentos que ficarão está o
dossiê explosivo de cerca de 300 páginas sobre escândalos da Igreja
Católica, que será dado ao próximo papa. De acordo com o Vaticano, o dia
também foi de "fazer as malas e rezar".
Ocorrerá hoje a última
audiência pública de Bento XVI e será a oportunidade de enviar uma
mensagem aos fiéis. Normalmente, o evento seria realizado em um local
fechado. Mas, como será sua última audiência, o Vaticano espera pelo
menos 50 mil pessoas, além de alguns chefes de Estado, como o de Andorra
e da Eslováquia, além do presidente de sua região de origem, a Bavária
(na Alemanha).
Segundo o porta-voz do Vaticano, Federico
Lombardi, Bento XVI tem recebido "dezenas de cartas" de chefes de
Estado. Amanhã, o papa se encontrará com cardeais, muitos dos quais
apontados como seu sucessor. Às 17 horas (13 horas de Brasília), ele
deixará o Vaticano e voará em um helicóptero para a casa de verão da
Santa Sé, uma viagem de cerca de 15 minutos. Lá, aparecerá na janela
para saudar a população local, no que deve ser sua última aparição em
público. "Vou me esconder do mundo", prometeu o papa dias após ter
anunciado que renunciaria.
Às 20 horas (hora local), Joseph
Ratzinger entregará seu cargo e a Guarda Suíça que o acompanha deixará
de fazer a vigilância na porta de sua casa, ainda que o Vaticano
assegure que ele continuará a ser "protegido".
Conclave
Na
sexta-feira, os cardeais devem começar a determinar a data do conclave,
que muitos já apontam que começaria no dia 10. O anúncio oficial deve
ser feito apenas no dia 4 de março.
Bento XVI, de 85 anos,
anunciou no dia 11 de fevereiro sua decisão de renunciar. Ele alegou
problemas de saúde e a idade avançada. A escolha do sucessor será feita
por 115 cardeais, dos quais cinco são brasileiros.
Após a
renúncia, tem início o período chamado pelo Vaticano de Sé Vacante -
aquele onde a Igreja Católica não tem um chefe de Estado, e todas as
decisões importantes são suspensas. O Vaticano é governado pelo Colégio
dos Cardeais. Os 115 cardeais com direito a voto serão oficialmente
convocados a Roma para a escolha do novo Pontífice.
Pela primeira
vez em 600 anos, a Igreja Católica vai se encontrar na situação
inusitada de ter duas pessoas com o título de "Sua Santidade" - o atual e
o que ainda será eleito - convivendo sobre o mesmo teto, o Vaticano.
Após
a decisão de ontem, dois cardeais que atenderão pelo título de "papa"
viverão a poucos metros de distância e contarão com o mesmo arcebispo
como secretário. Apesar disso, a Santa Sé assegura que a situação não
resultará em grandes conflitos.
"Conhecendo Bento XVI, isso não
vai ser um problema", opinou Giovanni Maria Vian, editor do jornal
vaticano L´Osservatore Romano. "Pela evolução da doutrina e da
mentalidade católicas, há apenas um papa. É claro que esta é uma
situação nova", disse.
Os críticos já não têm tanta certeza.
Alguns cardeais têm opinado em conversas reservadas que será uma
situação difícil para o próximo papa a proximidade de Bento XVI.
O
teólogo suíço Hans Kueng, um antigo colega do atual papa, vai além.
"Com Bento XVI por perto existe o risco de haver uma espécie de ´papa
nas sombras´, que abdicou mas ainda exerce influência indireta" no
Vaticano, disse ele ao semanário alemão Der Spiegel. SAIBA MAIS
Outras renúncias
Clemente I (92?-101)
Um dos primeiros papas, teria sido o primeiro a renunciar; as razões não são claras
Ponciano (230-235)
Renunciou durante perseguição dos cristãos pelo imperador romano Maximino
Marcelino (296-304)
Abdicou ou foi deposto, após cumprir ordem do imperador romano Diocleciano de oferecer sacrifício a deuses pagãos
Martinho I (649-655)
Exilado pelo imperador Bizantino Constante II
Bento IV (964)
Aceitou ser deposto por Otto I, imperador do Sacro Império Romano, após um mês
Bento IX (1032-1045)
Renunciou depois de vender o papado a Gregório VI
Gregório VI (1045-1046)
Deposto por simonia (venda de sacramentos)
Celestino V (1294)
Ficou cinco meses no papado e editou decreto que permitia a renúncia; foi preso e morreu na prisão
Gregório XII (1406-1415)
Renunciou para encerrar o Grande Cisma (papado dividido entre Roma e Avignon, na França)
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