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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Bento XVI dá adeus, porém continua como papa emérito

O Anel de Pescador será destruído. Os sapatos vermelhos ficarão com o sucessor, escolhido por 115 cardeais
Roma. Bento XVI poderá manter seu nome. Mas não seus sapatos. Em uma liturgia repleta de símbolos e protocolo, o papa começa hoje sua fase final de despedidas e, amanhã, abandona definitivamente o cargo. A primeira renúncia de um papa em 600 anos provocou comoção e debate nas últimas semanas.

Primeira vez, o Vaticano abrigará dois papas e as regras terela pão de ser claras FOTO: REUTERS

Hoje, o pontífice falará para milhares de pessoas na Praça São Pedro e percorrerá o local pela última vez no papamóvel, cercado de um forte esquema de segurança. O Vaticano anunciou ontem que o alemão poderá conservar o nome de Bento XVI, porém, passará a ser chamado de "papa emérito".

O cuidado com os detalhes não é apenas um preciosismo por parte de uma instituição que tem mais de dois mil anos. Pela primeira vez em séculos, a Igreja terá como morador dois papas e as regras e procedimentos precisarão ficar claros.

Agora, o Vaticano está tendo de se recriar para conviver com essa nova realidade. Apesar de viver dentro do Vaticano, o papa emérito poderá usar uma roupa branca, mas não com os detalhes de um pontífice.

O anel de pescador que o alemão recebeu ao ser escolhido será destruído, como ocorre quando um papa morre. O pontífice, no entanto, terá o direito de usar um outro anel. Além de papa emérito e Bento XVI, ele poderá ser chamado de "pontífice romano emérito" e "sua santidade". Na prática, haverá duas "suas santidades".

Dossiê

Ontem, Bento XVI passou parte do dia separando papéis que terá direito de levar; os demais serão arquivados. Entre os documentos que ficarão está o dossiê explosivo de cerca de 300 páginas sobre escândalos da Igreja Católica, que será dado ao próximo papa. De acordo com o Vaticano, o dia também foi de "fazer as malas e rezar".

Ocorrerá hoje a última audiência pública de Bento XVI e será a oportunidade de enviar uma mensagem aos fiéis. Normalmente, o evento seria realizado em um local fechado. Mas, como será sua última audiência, o Vaticano espera pelo menos 50 mil pessoas, além de alguns chefes de Estado, como o de Andorra e da Eslováquia, além do presidente de sua região de origem, a Bavária (na Alemanha).

Segundo o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, Bento XVI tem recebido "dezenas de cartas" de chefes de Estado. Amanhã, o papa se encontrará com cardeais, muitos dos quais apontados como seu sucessor. Às 17 horas (13 horas de Brasília), ele deixará o Vaticano e voará em um helicóptero para a casa de verão da Santa Sé, uma viagem de cerca de 15 minutos. Lá, aparecerá na janela para saudar a população local, no que deve ser sua última aparição em público. "Vou me esconder do mundo", prometeu o papa dias após ter anunciado que renunciaria.

Às 20 horas (hora local), Joseph Ratzinger entregará seu cargo e a Guarda Suíça que o acompanha deixará de fazer a vigilância na porta de sua casa, ainda que o Vaticano assegure que ele continuará a ser "protegido".

Conclave

Na sexta-feira, os cardeais devem começar a determinar a data do conclave, que muitos já apontam que começaria no dia 10. O anúncio oficial deve ser feito apenas no dia 4 de março.

Bento XVI, de 85 anos, anunciou no dia 11 de fevereiro sua decisão de renunciar. Ele alegou problemas de saúde e a idade avançada. A escolha do sucessor será feita por 115 cardeais, dos quais cinco são brasileiros.

Após a renúncia, tem início o período chamado pelo Vaticano de Sé Vacante - aquele onde a Igreja Católica não tem um chefe de Estado, e todas as decisões importantes são suspensas. O Vaticano é governado pelo Colégio dos Cardeais. Os 115 cardeais com direito a voto serão oficialmente convocados a Roma para a escolha do novo Pontífice.

Pela primeira vez em 600 anos, a Igreja Católica vai se encontrar na situação inusitada de ter duas pessoas com o título de "Sua Santidade" - o atual e o que ainda será eleito - convivendo sobre o mesmo teto, o Vaticano.

Após a decisão de ontem, dois cardeais que atenderão pelo título de "papa" viverão a poucos metros de distância e contarão com o mesmo arcebispo como secretário. Apesar disso, a Santa Sé assegura que a situação não resultará em grandes conflitos.

"Conhecendo Bento XVI, isso não vai ser um problema", opinou Giovanni Maria Vian, editor do jornal vaticano L´Osservatore Romano. "Pela evolução da doutrina e da mentalidade católicas, há apenas um papa. É claro que esta é uma situação nova", disse.

Os críticos já não têm tanta certeza. Alguns cardeais têm opinado em conversas reservadas que será uma situação difícil para o próximo papa a proximidade de Bento XVI.

O teólogo suíço Hans Kueng, um antigo colega do atual papa, vai além. "Com Bento XVI por perto existe o risco de haver uma espécie de ´papa nas sombras´, que abdicou mas ainda exerce influência indireta" no Vaticano, disse ele ao semanário alemão Der Spiegel.  SAIBA MAIS

Outras renúncias

Clemente I (92?-101)

Um dos primeiros papas, teria sido o primeiro a renunciar; as razões não são claras

Ponciano (230-235)
Renunciou durante perseguição dos cristãos pelo imperador romano Maximino

Marcelino (296-304)
Abdicou ou foi deposto, após cumprir ordem do imperador romano Diocleciano de oferecer sacrifício a deuses pagãos

Martinho I (649-655)
Exilado pelo imperador Bizantino Constante II

Bento IV (964)
Aceitou ser deposto por Otto I, imperador do Sacro Império Romano, após um mês

Bento IX (1032-1045)
Renunciou depois de vender o papado a Gregório VI

Gregório VI (1045-1046)
Deposto por simonia (venda de sacramentos)

Celestino V (1294)
Ficou cinco meses no papado e editou decreto que permitia a renúncia; foi preso e morreu na prisão

Gregório XII (1406-1415)
Renunciou para encerrar o Grande Cisma (papado dividido entre Roma e Avignon, na França)


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