08/10/2025 05h47
Foto: Ricardo Stuckert/PR
A relação diplomática entre Brasil e Israel atravessa o momento mais delicado em décadas. Tradicionalmente marcada por oscilações conforme o governo de turno, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) consolidou-se como uma das vozes mais críticas à ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza — postura que, segundo analistas, combina cálculo político interno e ambições internacionais.
Especialistas ouvidos pela Folha apontam que a guinada reflete tanto a polarização sobre o tema no Brasil quanto o esforço de Lula para agradar sua base política e reposicionar o país no cenário global.
Histórico de aproximações e distanciamentos
Nos primeiros mandatos de Lula, o Brasil fez movimentos importantes em apoio à causa palestina: abriu um escritório de representação em Ramallah, em 2003, e reconheceu oficialmente o Estado da Palestina em 2010, dentro das fronteiras de 1967. Ao mesmo tempo, manteve gestos de aproximação com Israel. Em 2003, participou da celebração dos 50 anos do Clube Hebraica, em São Paulo. Em 2010, foi a Israel — a primeira visita de um chefe de Estado brasileiro desde dom Pedro II, em 1876 — e visitou o Museu do Holocausto (Yad Vashem).
Apesar do equilíbrio buscado, Lula enfrentou críticas por receber em 2009 o então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, conhecido por negar o Holocausto. “Os governos Lula 1 e 2 tinham uma tendência pró-árabe, mas mantinham uma postura mais equidistante, priorizando os interesses brasileiros”, explica Monique Sochaczewski, professora de relações internacionais do IDP.
Tensões e reviravoltas
O primeiro grande atrito moderno ocorreu no governo Dilma Rousseff. Em 2014, após o Itamaraty condenar uma ofensiva israelense que matou centenas em Gaza, um porta-voz da chancelaria israelense classificou o Brasil como “anão diplomático” e “irrelevante”.
Já no governo Jair Bolsonaro, a balança se inverteu. O então presidente adotou uma política de alinhamento inédito com Israel, visitou o país em 2019 e foi recebido no aeroporto por Binyamin Netanyahu. Bolsonaro prometeu transferir a embaixada brasileira para Jerusalém — gesto que simbolizaria o reconhecimento da cidade como capital israelense —, mas acabou recuando.
Ruptura na gestão atual
O novo capítulo de tensão começou após os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro de 2023. O Brasil condenou a ação, mas Lula levou 13 dias para usar a palavra “terrorismo”, o que gerou cobrança de entidades judaicas no país.
Mesmo com os atritos, Lula encontrou-se com o presidente israelense Isaac Herzog durante a COP28, em dezembro de 2023, e defendeu “a urgência da paz”. A relação, porém, azedou de vez em fevereiro de 2024, quando o petista comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto. A fala levou Israel a declará-lo “persona non grata”.
O embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, foi chamado ao Museu do Holocausto e publicamente repreendido. O Itamaraty o convocou de volta e até hoje não enviou substituto. Israel também retirou sua indicação para a embaixada em Brasília, após o governo brasileiro segurar o aval à nomeação de Gali Dagan.
Motivações políticas e geopolíticas
Para André Lajst, cientista político e presidente da ONG StandWithUs Brasil, a retórica de Lula está alinhada a uma estratégia de reposicionamento internacional. “Ele tenta se mostrar independente dos EUA e como liderança do Sul Global, numa visão quase de Guerra Fria. Há também pressão interna da base de esquerda, que abraçou a pauta palestina”, afirma. Lajst acusa ainda o presidente de ter “posturas antissemitas” e de não se preocupar com reflexos no país.
Sochaczewski avalia que o Brasil perdeu a capacidade de ser interlocutor de todas as partes, como no passado. “Lula fala para os progressistas que o apoiam, mas quem está levando propostas concretas são os países do Golfo. O Brasil deixou de ser ouvido como antes”, analisa.
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