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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Morre o cordelista potiguar Zé Saldanha



Aos 93 anos de idade e milhares de cordéis publicados, o autor literário morreu em Natal de complicações após cirurgia intestinal



Cordelista deixa 7 filhos, 23 netos e 8 bisnetos.
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"Ele contava a vida em prosa e verso". É assim que a família de José Saldanha Menezes Sobrinho, o Zé Saldanha fala sobre o poeta potiguar conhecido por seus cordéis criativos que morreu na tarde desta terça-feira (9), no hospital São Lucas em Natal vítima de complicações após cirurgia do intestino delgado.

Zé Saldanha estava internado há trinta dias, após ter dado entrada na UTI para fazer uma cirurgia de emergência no intestino. Com um estilo de vida "feliz", Zé Saldanha comentava que gostava tanto de viver que queria "emendar uma vida na outra" para não deixar de protagonizar a vida.

De acordo com informações do genro de Zé Saldanha, Felizardo França, o poeta morreu por volta das 15 horas e deve ser velado no Morada da Paz de Emaús, na capela central a partir das 19h  até as 11 horas da manhã da quarta-feira (10), horário em que o poeta será enterrado.

Felizardo conta que a família está abalada, mas tem recebido com alegria as homenagens feitas ao poeta de 93 anos. "Eu nunca tinha visto tanta gente no hospital, ligando e querendo saber dele", afirma o genro.

Uma grupo de amigos de Zé Saldanha está reunido em Natal para prestar as primeiras homenagens ao cordelista que deixa 7 filhos, 23 netos e 8 bisnetos.

Em conversa com o portal Nominuto.com, o genro de Zé Saldanha contou que aos 81 anos o poeta resolveu fazer cursos de informática e aprendeu a digitar seus textos no computador. "Ele era um exemplo de superação, que podia vencer tudo e conquistar o que quisesse", conta emocionado Felizardo.

Zé Saldanha
Nascido e criado na Fazenda Piató, em Santana dos Matos, o poeta tinha os pés no interior do Estado e conservava o espírito jovem com observação do cotidiano nas mais de 300 publicações próprias.

Saldanha publicava anualmente almanaques (livretos onde o cordelista faz previsões sobre o tempo, fornece orientações e informações agrícolas, folclóricas e religiosas baseadas no senso comum), e mais recentemente, o Dicionário de Poetas Cordelistas do Rio Grande do Norte.
Do Blog: O nordeste fica orfão de um nordestino de fibra,um filho legitimo do sertão tradicional poeta repentista,cordelista que deixa registrado a sua grandiosa obra de arte nos cordéis uma vida dedicada a seu povo e sua gente, e a história do povo sofrido do nordeste.

Na minha época passada
Namoro foi sacrifício;
A moça num edifício
E pelo pai vigiada
Pra poder ser namorada
Pedia licença aos pais
Hoje a moça e o rapaz
Vão se abraçar, se beijar
O mundo só veio prestar
Quando eu não prestava mais.

Meu tempo foi diferente
Digo porque me convém;
As moças queriam bem
Mas tinham medo da gente
Todo pai era valente
Hoje perderam o cartaz
A filha sai com um rapaz
Beber, namorar, farrar
O mundo só veio prestar
Quando eu não prestava mais.
A lembrança ainda tenho
Dos vestidos do passado,
Hoje é curto e ligado
Que só manjarra de engenho
Mostrando todo desenho
Do corpo na frente e atrás
Tudo que a moderna faz
Eu só falto morrer de olhar
O mundo só veio prestar
Quando eu não prestava mais
Hoje nada mais é certo
Amor nem religião;
A moderna, a corrupção
Com seu mundanismo esperto
Deixando tudo em alerto
Olhando a novela o que faz
Mulheres, moças e rapaz
Semi nus a se beijar
O mundo só veio prestar
Quando eu não prestava mais

O INDUSTRIÁRIO CORDELISTA
Embora o poeta se valha da vocação de jornalista pra retratar fatos em poesias, Zé Saldanha sustentava sua família de oito filhos trabalhando na indústria. Mas tudo começou ainda pequeno, na fazenda do pai, em Santana do Matos, quando o poeta iniciou-se nos versos, e naquela que bem representa as artes plásticas do sertão nordestino. “Começei a escrever cordel e a fazer xilogravura ainda criança. Eu fazia um quadrado na tábua e saía abrindo com o canivete, moldando o desenho conforme o escrito. Fui o primeiro xilógrafo do Seridó”.
Da meninice Saldanha guarda boas lembranças. Mesmo a trabalhar pesado no roçado com o pai, “puxando gado, sendo vaqueiro ou matuto”, o sertão era seu tesouro íntimo; sua casa. Lá mesmo em Santana do Matos, paralela a atividade da escrita, o cordelista começou a fabricar sapatos. “Santana do Matos é lugar de gente inteligente, mas muito pequeno. Mesmo assim comecei lá. Vendi muito calçado, durante mais de 30 anos”.
O segredo do sucesso dos sapatos fabricados por Saldanha é fácil de explicar: em cada caixa de sapato uma propaganda em versos: “Sendo pra comprar calçado/ eu aviso aos meus fregueses/ eu ando de pé descalço semanas, dias e meses/ fico até de pé rachado/ porém só compro calçado na fábrica Menezes”. Mas Saldanha me corrige: “Vendia não pela poesia, mas porque era um calçado bem feito, bem polido”.
Nesse intervalo, entre fabricação de calçados, trabalhos em cordel e no roçado, Zé Saldanha casou-se com Maria….. . Cumprindo a tradição de muitos filhos do sertanejo, teve oito, sendo quatro homens e quatro mulheres. “A fábrica me possibilitou formar meus filhos, mas um faleceu quando tava perto de pegar o canudo”. Mesmo casado, Saldanha continuou a morar na fazenda Piató. O contato com cangaceiros era constante. “Eles apareciam armados pra pedir comida. Meu pai preparava o prato, mas num perguntava nem o nome, pra num dar intimidade”.
Em 1943, Saldanha recebeu um convite de um tio para ir a região de Bodominas, hoje município emancipado de Santana do Matos. “Lá estava se vendendo muita xelita. Mas detestei o trabalho na mineração, aí desisti”. Após mais essa experiência profissional na coleção do artista, Saldanha rumou para Cerro Corá com a família. A cena de quatro mil garimpeiros calçando sapatos brancos atiçou as idéias do poeta. “Garimpeiro é vaidoso. Decidi ganhar dinheiro em cima deles e fui fabricar sapato de novo”.
Mas a fábrica com 15 operários não supria a necessidade de bons estudos para os oito filhos. No ano de 1963, a família se muda novamente, agora para Currais Novos onde Saldanha montou a fábrica de sapatos Menezes, agora com 40 funcionários. Lá, também vendeu queijos e doces. Mas o trabalho “de dia à noite” fez com que o poeta largasse por alguns anos o cordel. “Se não tivesse parado tinha pra mais de 5 mil livretos hoje”, comenta o cordelista, ao lado dos seus mais de 900 folhetos e oito livros sobre cangaço.
Ainda em Currais Novos, embora sem produzir cordéis, Zé Saldanha criou a casa do cantador do RN e a Associação Estadual de Poetas Populares, com filial também em Mossoró. Também em Mossoró ajudou a criar a Associação Brasileira do Estudo do Cangaço. Mas, “por uma necessidade de vida” Zé Saldanha larga o interior e vem para Natal, em 7 de janeiro de 1979. “Quero muito bem ao sertão, mas minha esposa adoeceu, com problema no coração de maneira que os médicos me aconselharam levá-la pra capital. Mas ela ainda viveu 20 anos depois que chegamos”.

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